quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Perdidamente

canto sem saber o que quer o canto
canto para alcançar a serenidade
que

perdidamente

há muito se foi.

Canto a batalha sem vencedor, só vencidos

canto nua

canto só

perdidamente

Descanso

Alucinação pendente de que meu amigo vive
só ela me deixa dormir

A manhã e o dia doem
sem cor, sem presença


No escuro da noite invento o arco-íris
e nele descanso

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Se conhecesse o meio de dizer este doer-me

dizê-lo sem te doer

com palavras transparentes...

uma boca, dois lábios


uma boca, dois lábios
outra boca, dois lábios
entre eles uma porta
Sob a porta fechada um precipício, um nada talvez irreparável...

sem chave
fragmenta-se o interior na impossibilidade do exterior

o toque vedado por um desejo desencontrado

segunda-feira, 16 de julho de 2012

A boca do desejo

Na boca reside o desejo
ponto de acolhimento e de multiplicação de sentires

Vejo lábios que se auto-alimentam do desejo de desejo
 de outro desejo, o desconhecido
Qual pedra perderam o movimento
marcados
passivos
enfraquecendo na espera
do desejo que não chega

Vejo outros lábios que percorrem corpos
tocando o acontecimento
sem procurarem se enebriam de desejo
e cantam e dançam sobre a pele
toda


Não é tua boca que procuro
mas o desejo nela contido

Faz-se tarde
e desaprendo 

des-ejo
des-isto

sexta-feira, 6 de abril de 2012

sexta-feira da Paixão



Só da morte nasce a Ressurreição
A morte é portanto símbolo de Salvação

Mensagem forte e incompreensível

Dependerá a tua salvação da minha morte?
Quero salvar-te,
mas temo morrer

temo o não-sentir

Deixar eu de sentir para que possas voltar a sentir?
É isso morrer por Amor?

e mergulho neste caos do sentir sem sentido...

Rasgos de ser

esboço rasgos de ser
no vazio
para o vazio



cada vez mais rasgos cada vez menos ser

Criei-os para ser muito

são quase nada...

«As impensáveis portas da ilusão»

«
O que é que leva o meu barco
para esta praia
onde um poder esquivo
se contenta
com a ambígua oferta de palavras?


Estamos aqui
no exíguo barco do desejo
exibidos
na frágil singularidade do verbo»


Insatisfeitos sempre
aguardamos
que se abram
as impensáveis portas da ilusão

ANA HATHERLY, in O PAVÃO NEGRO (Assírio & Alvim, 2003)

quinta-feira, 29 de março de 2012

«TINTA PRETA»


Seca-me a boca
De tanto silêncio,
De tantos gritos que ficaram
Entalados na garganta.
Bebo um copo de água,
A expressão inalterada
Da máquina perfeita,
Da máquina que cumpre,
Que ri quando apropriado,
Na mordaz sensatez
De ser apenas o que de si se espera.
Mordo as mãos
Do conformismo que me basta
Como se fosse o último dia
E não houvesse mais tempo
Para protelar a verdade.
Rasgo as letras no papel
Que se tinge de vermelho,
Matam e ferem
E logo se apagam.
O ser humano dura menos que um suspiro,
Frágil como um galho ao vento.
A minha mão é quanto basta
Para destruir.


ANA BRILHA, in A APOLOGIA DO SILÊNCIO (Ed. autor, a publicar em 12 Abril 2012)

quarta-feira, 28 de março de 2012

Transparência



Incomoda a transparência?
Destrói a transparência?

Céticos me rodeiam e negam a sua essência
Outros a consideram nociva

E duvido
duvido do que sou
essencialmente

quarta-feira, 21 de março de 2012

Quando a carência fala

excesso de carência
grito de consolação

a dúvida entre a não existência e o silêncio

existo pelo silêncio?

há um silêncio que me corta a possibilidade de ser, outro que me faz sentir que sou.

Para ser não digas nada, mas não partas!

Não peças, dá!

Esgoto-me... ao infinito

Dia Mundial da Poesia


Leio suspensos versos
colho poemas de sol

e contemplo

contemplo a beleza de existir
de ser e de sentir
de sofrer e de amar
de tudo dar e partir

generosamente

aguardando um abrir de porta ou O poeta e o jardineiro (1)

havia a frágil mão que batia à porta.
havia um jardim com flores de versos para oferecer à porta batida.
havia um corpo que sustinha a mão e que sofria...
...pela porta que não abria
...pela porta sem resposta
...por duvidar do seu bater
...por ter esquecido a magia de um antigo estar e ser habitado
...por não entender o mistério das portas que não abrem

mas também esse corpo tinha uma porta, uma morada. a branca e verdadeira parede moldava-se em torno da delicada porta que ali permanecia aguardando novamente ser habitada.
lá dentro refugiava-se o corpo só quando, depois de cansado bater à porta que não abria, reconstruia versos para as flores únicas que eram suas.

e havia um jardineiro que, de fora,
ao vento, à chuva e ao sol,
...guardava as flores,
...polia a delicada porta,
...cuidava das feridas da mão cansada de bater
...e consolava da solidão.

ficaria ali apenas até que uma porta abrisse e de novo a casa fosse habitada.

terça-feira, 20 de março de 2012

O mistério do abrir-fechar-bater (à) porta

sempre dar oportunidade de se exprimir a quem bate à porta. não cerrar insistentemente, nem facilitar desesperadamente.

ouvir, atender, acolher ou despedir. oferecer a claridade de sim ou não, sem ferir, sem omitir. com transparência e nudez solar.

entender o mistério de abrir e fechar. tu sim, tu já não, só aquele outro tu...

o bater constante a outras portas a vertigem de ter alguém à porta

Pode uma porta bater a outra porta e abrirem-se ambas?

segunda-feira, 19 de março de 2012

A presença ausente - PAI


Hoje
Meus lábios não te tocam
Meus braços não te enlaçam

Mas meu coração reencontra-te e segreda-te: Feliz dia do Pai

Sou o que me construiste.
Sou parte de ti,
ainda viva

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

As mesmas palavras para dizer isto e o contrário disto

Não se pode duvidar do poder poético de Clarice Lispector que construiu este poema duplo que numa primeira leitura canta o amor perdido e noutra, apenas invertendo a ordem dos versos canta o amor...

«Não te amo mais.
Estarei mentindo dizendo que
Ainda te quero como sempre quis.
Tenho certeza que
Nada foi em vão.
Sinto dentro de mim que
Você não significa nada.
Não poderia dizer jamais que
Alimento um grande amor.
Sinto cada vez mais que
Já te esqueci!
E jamais usarei a frase
EU TE AMO!
Sinto, mas tenho que dizer a verdade
É tarde demais...

____________________________________________________

É tarde demais...
Sinto, mas tenho que dizer a verdade
EU TE AMO!
E jamais usarei a frase
Já te esqueci!
Sinto cada vez mais que
Alimento um grande amor.
Não poderia dizer jamais que
Você não significa nada.
Sinto dentro de mim que
Nada foi em vão.
Tenho certeza que
Ainda te quero como sempre quis.
Estarei mentindo dizendo que
Não te amo mais.»
Clarice Lispector

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Sabedoria

«Quando fazemos tudo para que nos amem e não conseguimos, resta-nos um último recurso: não fazer mais nada. Por isso, digo, quando não obtivermos o amor, o afeto ou a ternura que havíamos solicitado, melhor será desistirmos e procurar mais adiante os sentimentos que nos negaram. Não fazer esforços inúteis, pois o amor nasce, ou não, espontaneamente, mas nunca por força de imposição. Às vezes, é inútil esforçar-se demais, nada se consegue; outras vezes, nada damos e o amor se rende aos nossos pés. Os sentimentos são sempre uma surpresa. Nunca foram uma caridade mendigada, uma compaixão ou um favor concedido. Quase sempre amamos a quem nos ama mal, e desprezamos quem melhor nos quer. Assim, repito, quando tivermos feito tudo para conseguir um amor, e falhado, resta-nos um só caminho...o de mais nada fazer.»
Clarice Lispector

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

inventar a esperança

“Não há outro valor por que lutar senão pela liberdade de
inventar a esperança, aceitando a possibilidade do desastre (...).”
Teolinda Gersão in O silêncio, p.119