sábado, 30 de abril de 2011

Conto

Era uma manhã ou era uma tarde. Havia vento ou talvez não.
Um corpo interrogava-se sobre o não-sentido ou sobre o sem sentido e despia-se lentamente.
Só, líquido.

Inventar sentidos

Depois da nudez
depois do vazio
depois de

Um novo sentido aguarda
deixa que ele te surpreenda

Ou deixa que os teus sentidos o inventem

Ainda vives
Ainda vale a pena
Ainda é possível

Deixa-te sentir

terça-feira, 19 de abril de 2011

A Paixão


Levanto a custo os olhos da página;

Ardem;

Ardem cegos de tanta neve.

Faz dó esta paixão pelo silêncio,

pelo sussurro do silêncio,

pelo ardor

do silêncio que só os dedos adivinham.

Cegos, também.[1]


[1] Eugénio de Andrade, “Paixão”, O Outro Nome da Terra


presque haiku (2)

Souffle l'absence
dans le creux de la main

Le bout des doigts longe l'absolu

presque haiku

Entre la goute et la feuille
un infime espace

quase silêncio

Respira o sol
entre as palavras
Floresce
o ser

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Le corps


Toucher le corps
le mien, le tien

Secouer la peur de plonger dans l'abîme

de l'effacement

domingo, 17 de abril de 2011

Segredo

«Oferece o teu hálito ao presságio
para além do limiar das palavras
para transformar o segredo incomunicável
na iniciativa de um gesto inaugural
[…]
talvez tudo desapareça
mas na cal subsistem as ranhuras
que formam uma teia minuciosa e frágil
mesmo com a cabeça na pedra tu pressentes
a caligrafia primaveril do indizível»

António Ramos Rosa, Polén Silêncio

Como romper o silêncio

[…]

Mas como romper este silêncio esta mudez do silêncio

como descobrir essa outra língua sobre a pedra

como sulcar esta outra terra interior

como descobrir esse outro rosto do outro lado

como erigir o campo nestes campos sombrios

obscuridade obscuridade mudez do silêncio cinza e cinza[1]



[1] António Ramos Rosa, “Ardem os tentáculos do polvo e arde a rosa”, As Marcas no Deserto, Lisboa, Vega, 1980, p. 59.

Ansias

Na propulsão do meio dia

Há segredos que desvanecem

Cálidos beijos perdidos

Mão vazias

Sonhos desventrados

Desejos calados

distância silenciosa

Uma distância silenciosa

entre o desejo

e o nome

onde

nenhuma palavra

me é dada

Sem esperar

espero

sem esperar[1]



[1] António Ramos Rosa, Oásis branco, Lisboa, Átrio, 1991, p. 45.