segunda-feira, 20 de junho de 2011

Corpo queimado

«Despe-te! Não há outro caminho.» E. de Andrade

Jaz um corpo no chão.
Em parte nu, em parte vestido.
A pele queimada,
ferida
por tão violento incêndio.

Nos olhos entreabertos o medo
Medo de ser tocado. Tudo dói
Medo de ser despido. Já não é corpo o que resta.
Medo de ser levado dali. Não há lugar onde.

A saliva e as lágrimas que foi vertendo no seu solitário e silencioso pranto cairam na terra seca.
Talvez algo

Fragmentação

Há quem veja na fragmentação a única possibilidade de sobrevivência.

Talvez acreditar na unidade,
na inteireza
não passe de um mito
que só ilude quem consente apaixonar-se

Preciso fragmentar-me para não me destruir

Estranhos jogos agradam as almas

A criança segura um gelado
na mão
não pode comê-lo

Dizem que se conseguir não comer ganhará

Um corpo junto de outro corpo
na cama
não podem tocar-se

Perde-se sempre

sexta-feira, 3 de junho de 2011

O teu livro

Li o teu livro, Amor, sofregamente;

Li-o, e nele em vão me procurei!

No teu livro d’amor não me encontrei,

Tendo lá encontrado toda a gente.

Um livro é a nossa alma, nunca mente!

Um livro somos nós, eu bem o sei…

E se em teus lindos versos não me achei

É que a tua alma nem sequer me sente!

As rosas do teu livro! As tuas rosas!

Rubros beijos de bocas mentirosas,

Desfolhaste-as por todas as mulheres!

Mas deixa, meu Amor, mesmo pisadas,

As tuas lindas rosas desfolhadas

Eu apanho-as do chão, se tu quiseres…

Florbela Espanca


Mesmo imperfeitas, as palavras são as nossas pétalas
Precisamos tocá-las explicá-las e compreendê-las.
Nem sempre o que parece é e mesmo o que é, é-o diferentemente em silêncio ou por palavras